Senti-me Ridícula

O medo da humilhação é algo que está muito presente na maior parte das pessoas que acompanho. O caminho que faço com o outro é simultâneo com o caminho que faço comigo e tenho vivido na minha vida muito medo da humilhação. Talvez por isso me tenha escondido tanto tempo. 

Quando temos medo do ridículo e da crítica, ou quando nos sentimos humilhados, activamos em nós todas as formas que o nosso sistema conhece para sobreviver à humilhação. Mesmo as mais arcaicas. Escondemo-nos, tornamo-nos pequenos para não nos verem, agredimos, tornamo-nos grandes para nos sentirmos mais fortes e não sermos humilhados. Congelamos. 

Houve um dia em que fui convidada por uma amiga que admirava muito, para fazermos um trabalho juntas. Era alguém que eu via como um apoio e estava muito contente com o seu convite. Depois de ter estado algum tempo parada com os grupos, aquele era o primeiro momento em que voltava a navegar pelo colectivo. Estava feliz porque é algo que adoro fazer, mas nervosa porque era muita gente. Ao mesmo tempo que me sentia segura porque estava com ela, algo inesperado aconteceu e um momento que seria inspirador e entusiasmante para mim, tornou-se no meu maior pesadelo. 

Comecei, logo de início, a sentir a sua liderança e o seu ritmo e forma muito diferentes dos meus, mas mantive-me centrada e presente no momento que estava a viver e no que estava a fazer. Até que a certa altura, a sensação de invasão e de interferência com o meu ritmo e com a minha forma de trabalhar foi de tal forma avassaladora que o meu sistema detetou a existência de algo muito ameaçador – a presença de alguém ou algo que pela sua ocupação de espaço e de território, me esmagava por completo e me trazia sérios riscos de perder o meu lugar e me tornar invisível, como tantas vezes senti que perdi e me tornei ao longo da minha vida.

Ali estava eu, em alerta. Podia sentir a sua inquietação com o meu movimento lento, podia sentir as palavras que achava que eu devia dizer e não dizia. Podia sentir a pressão da sua vontade de fazer as coisas de uma determinada forma. Senti-me completamente inundada pelo olhar externo e algo que faço com muita facilidade, qualidade e presença foi bloqueado pelo meu sistema que congelou diante do perigo. Deixei de conseguir estar presente e uma névoa instalou-se sobre a minha cabeça. O observador tornou-se gigante e mais importante, pois era perigoso, do que o propósito de estar ali. O mais temido aconteceu, fui interpelada, corrigida e desrespeitada e acabei por não consegui fazer o que faço bem. Senti-me muito humilhada e envergonhada. 

Terminei esse dia com muitas dores de cabeça, sentia-me esgotada e sem energia. Sentia-me muito zangada e desiludida com essa amiga. Ao longo do tempo fui processando esse episódio e tantos outros semelhantes que fui vivendo ao longo da vida. Percebi que de facto existe uma similaridade entre as pessoas com quem isso me acontece, mas sobretudo percebi que essas pessoas e episódios me traziam algo que conheço muito bem. Que a minha história conhece muito bem. Ao longo do meu percurso, pessoal e profissional, tenho percebido que tudo em nós tem uma função e uma razão de existir e que as nossas emoções e reacções são fruto da nossa história biológica adaptativa.    

O que será que acontecia a um ser humano no paleolítico se fosse ostracizado ou ridicularizado pelo clã? Era excluído. E o que acontecia se fosse excluído? Morria, não sobrevivia. 

Em nós, moram estas memórias ancestrais da nossa espécie. Com maior ou menor ativação, dependendo da história de cada um, o medo da humilhação e da ostracização está presente na humanidade e faz parte. A aceitação é vital para a nossa espécie, sejamos condescendentes connosco. Podemos ter medo de ser humilhados. Sim, podemos. A cada passo, vamos encontrando novas experiências e novas formas de estar com esse medo. Vamos encontrando novas formas de ocuparmos o nosso lugar sem medo. De nos sentirmos dignos de um lugar, de uma pertença. Não se trata de ego, como ouvimos muitas vezes dizer, trata-se de segurança, de sobrevivência. De dignidade humana. Todos temos direito ao nosso lugar e cada um tem o seu.